Desfeita de vez a ideia negacionista de que passaria despercebido entre estudantes universitários de vinte e poucos anos, embateu, em choque frontal, com a realidade. Não houve propriamente uma crise existencial a anunciar a novidade, embora, no plano terreno, as recorrentes lesões desportivas fossem um excelente indicador do que aí vinha. Foi ao comprar sapatos (o seu eu interior ainda estranha não dizer ténis, mas é um adulto, já se conformou). Ficam bem, não ficam bem. Era o único critério que conhecia. Mas eis que se dá conta, ainda que subliminarmente, estar a namorar design de conforto, amortecimento na passada, a antecipar o prazer da suave caminhada. E percebeu que era uma questão de tempo até assumir todas as consequências desta nova fase, e adotar no seu léxico a expressão e tema caros à sua avó: "calçado confortável". Entrara oficialmente na meia idade.
Finalmente, acomodo-me para começar a ler Lucia Berlin e o seu manual para mulheres de limpeza. A expectativa é grande. Mas calma. Da badana à contracapa, da introdução ao prefácio, ressoam promessas de que jamais lemos algo assim. A sua escrita é superlativa. Incomparável. Talvez a melhor de sempre. Naturalmente, comecei logo a embirrar e pronto para não gostar. Porém, é maravilhoso.
Gosto muito do filme "Fumo". É um filme sobre histórias. Várias. Uma delas, ocupa pouco mais de dois minutos. Não, não é a de como se consegue saber o peso do fumo, contada pelo Harvey Keitel. Essa também é boa. Nem as divagações do Jim Jarmuch sobre tudo e mais alguma coisa, antes de ser interrompido pelo vendedor de timexes e rolexes. Nem tenho a certeza de que as divagações de Jarmuch sejam sucedidas pela entrada (ah, isto passa-se numa tabacaria) do vendedor de timexes e rolexes. Ou que esta cena do Jarmuch não se passe apenas na sequela do "Fumo", o "Fumo azul". Mas isso importa pouco (aquilo até estava previsto ser um único filme). Estava a dizer. Sobre histórias. Uma delas, é contada pelo William Hurt. É sobre um jovem pai que vai passear para a montanha e é engolido por uma avalanche. Muitos anos depois, o filho está a caminhar pela montanha e dá de caras com uma versão de si mesmo quando era mais novo. Era o corpo do pai, que se preservara impecavelmente num bloco de gelo. Lembrei-me desta história ontem ao ver fotografias do final dos anos 90. Numa delas, lá estou eu, de t-shirt. E de calções. Os mesmos calções que vestia nesse preciso instante. Mais de um quarto de século depois. The end.
Se quiserem ver isto em bom de escritor e maravilhosamente interpretado pelo William Hurt de roupão, está aqui:
Procuro, por vaidosa curiosidade, um post antigo neste blog. Pesquiso a primeira palavra que me ocorre poder conter: "crítica". Com alguma surpresa, vejo este aparelho devolver-me umas poucas dezenas de resultados. Leio-os. Incho. Sou um proselitista da liberdade de espírito. Desincho. Sou monotemático e a precisar de novo vocabulário. Mas isso era dantes, convenço-me. Ups. A partir de....agora!
Há livros e filmes que nos marcam profundamente. E há outros que não deixam memória. Há, porém, um tertium genus (entre outros genus, claro). De que é raro falar-se. Cujo interesse não deve ser menosprezado. Até porque tem graça. São as obras que marcam profundamente e que não deixam memória. Das quais pouco ou nada nos lembramos. Um dos livros que mais me marcou na adolescência foi "O Jogo das contas de vidro". Que livro! Adorei-o. Mas já não me lembro porquê.
Ou seja, mulheres e homens gordos ganham muito menos do que os magros. Isto devia incomodar-nos. Dir-se-á que termos acesso a conhecimento que permita identificar desigualdades é básico e fundamental. Para tomarmos consciência e, querendo, agir. Um problema que julgo notar é que, em vez de incomodar, o alerta, ou a mera informação, sobre vários tipos de discriminação e de desigualdades parece estar hoje a gerar algum cansaço, mesmo em pessoas decentes. Que degenera, frequentemente, em indisfarçada irritação. Chegando mesmo a abalar anteriores consensos sobre discriminações várias. Isto é trágico. Mas parece ser o ar destes tempos. Por muito que custe - e muito custa -, talvez tenhamos de (re)pensar algumas coisas sobre isto.