15.1.14

A desigualdade, quando nasce, não é para todos. Quem é o nosso Robert Reich?


Talvez um pouco desiludido com o documentário de Robert Reich sobre desigualdade na América. Não porque não adore o Robert Reich. Não porque não faça um retrato pungente sobre a evolução da desigualdade na América (os gráficos são elucidativos: ao pico de concentração de riqueza em poucos - em cada vez menos - seguem-se as grande crises económicas; os períodos de menor desigualdade são também os de maior crescimento; os períodos de maior crescimento e menor desigualdade são aqueles em que a justiça fiscal é maior, com os mais ricos a pagar muito mais impostos; o declínio do poder dos sindicatos corresponde ao declínio do poder de compra da classe média americana; a relação entre desigualdade de rendimentos e educação). Não porque, quanto ao essencial, não aponte o dedo ao que está mal e o que deve ser mudado para garantir uma sociedade mais próspera e justa. Não porque, no final, não retire o corolário mais importante, embora insuficientemente explorado: quando o dinheiro e, logo, poder, se concentra em tão poucos, a democracia está em risco. Lá, como cá, por (uma enorme) maioria de razão. 



Mas, gostando muito de Reich, tem demasiado Reich. É demasiado umbiguista. O que se lê com prazer e proveito sobre as suas experiências pessoais no fantástico "Locked In the cabinet", ajudando a contextualizar o relato da sua experiência governativa, ou o que se vê com divertimento no sketch que fez com Conan O' Brien, torna-se fastidioso num filme desta natureza. É como ver alguém a olhar-se ao espelho a cada 5 minutos enquanto nos fala da desigualdade. E os entrevistados, com exceção do excelente (digam em voz alta: exceção do excelente) bilionário cujo nome me escapa e critica aguerridamente o sistema que tudo faz para lhe facilitar a vida, com prejuízo para a generalidade dos cidadãos, são, de um modo geral, fracos, pouco acrescentando ao filme. 

Espremido o que interessa, o filme daria para uns bons 30 (e não 90) minutos. Mas nem por isso deve deixar de ser visto por cá. Ajuda-nos a compreender (mesmo sem o fator União Europeia) os fundamentos do sistema perverso em que nos deixámos enredar e que está a dinamitar a nossa democracia. Mas isto pode ser mudado. Assim o queiramos. E bem que podíamos começar por ter um Robert Reich à portuguesa que fizesse uma coisa do género para cá. Ou uma produção conjunta entre Portugal, Grécia e Espanha, por exemplo. Quem é o nosso Robert Reich?

8.1.14

Falsas memórias. Ou ainda bem (ou mal) que este post fica aqui registado. Caso contrário juraria um dia nunca o ter escrito

Ainda bem que não sou uma figura pública ou, pecado dos pecados, político. Memórias falsas é comigo. Sobre coisas que, não sendo fundamentais, ou sequer relevantes, têm pelo menos a importância para ficar registadas, ano após ano, na nossa (quer dizer, na minha) memória. Foi assim que andei a espalhar durante anos, a quem estivesse interessado no meu interessante percurso de vida, que sempre fui péssimo aluno a desenho, orgulhando-me de ter tido uma sólida carreira de uns (sim, 1) na mítica disciplina de Educação Visual. Assim constaria da minha biografia oficial se não tivesse tropeçado no outro dia nas minhas avaliações da escola preparatória e secundária. Espanto: vários 5, alguns 4, alguns 3, e um 2 (num primeiro período). Não constam todas as avaliações e ainda sou capaz de jurar que terei tido mais negativas e, inclusive, pelo menos um 1 ("um 1", eheheheh) algures no tempo. Ou talvez o tenha desejado, tal era o horror à disciplina, que exigia técnicas de aprumo ainda hoje estranhas à minha pessoa (como escrever uma página inteira de um caderno sem riscar algo). Não tenho dúvida que a minha memória está cheia de tardes de domingo que foram dias da semana, de estar numa cidade que afinal era outra, de recordar estar com alguém que afinal estava noutro lugar (quantas vezes não jurei ter ido ver um filme ao cinema com alguém que diz ter a certeza de nunca ter visto o mesmo filme, pelo menos comigo"). Mas, no final de contas, não seremos todos mais ou menos assim? Segundo juro que me lembro, há ficção (como esta) e ciência (como esta) a sugerir que sim (mesmo para quem tem uma memória prodigiosa). Pelo menos, acho que sim. Ou talvez não. Estou confuso.