1 - Não sei se José Sócrates cometeu os crimes de que é
suspeito, indiciado, acusado no espaço público. Se os cometeu, é muito grave,
tanto mais se o fez enquanto estava em funções. É mais ou menos tudo quanto
tenho a dizer. Bem...
2 - Se José Sócrates não cometeu os crimes de que é
suspeito, indiciado, acusado no espaço público é ainda mais grave. Por ser
sempre mais grave um inocente passar por isto do que um culpado ficar impune,
como muitos já lembraram. E porque, nestes últimos anos, se foi avolumando,
inclusivamente no seio do poder judiciário, um sentimento justicialista anti-política
que legitima dúvidas sobre a possibilidade de contaminação de um processo desta
natureza.
3 - Sinceramente, não tenho uma opinião muito sustentada
quanto à eventual desproporção da detenção
e condições do posterior interrogatório. Não sei se foram ou não. Nem posso
sabê-lo.
4 - Já sei, embora seja tudo menos um fenómeno novo, que é
cada vez mais alarmante o impacto pernicioso na justiça que decorre da
promiscuidade entre alguns jornalistas e a órgãos judiciários. E assim deverá
continuar, atendendo a que, mesmo os que genuinamente a isto se opõem, pouco oferecem além de impotência e um túnel no fundo do túnel.
5 - Quanto à prisão preventiva, confesso igual incapacidade
para aferir da justeza da medida, embora me falte imaginação para ver
preenchidos os pressupostos que, nos bancos da faculdade, dizem poder
determinar esta medida de coação. E a ausência de qualquer justificação pública
desta medida por parte do juíz de instrução criminal obscurece, inquieta, em
vez de iluminar.
6 - Porque é fundamental que a justiça ilumine. Porque a
justiça deve uma obediência cega ao princípio da presunção de inocência,
tanto quanto é humanamente possível. Mas este postulado acaba na prática às
portas do edifício da justiça. Cá fora, ele de pouco vale. Para o bem e para o
mal. As convicções das pessoas formam-se libertas de quaisquer códigos. Razão
pela qual compreendo mal que o jornalismo seja frequentemente absolvido neste
papel a que se presta em nome do direito à informação. Como todos os outros
direitos, este não é absoluto, e a sua realização pode, muitas vezes, colidir
com outros de igual ou superior valor. Voltando ao travessão que encima este
ponto, daí a importância que a justiça ilimine, sempre que o possa fazer, pois
isso também concorre contra a presunção da culpabilidade que uma medida de
coação desta natureza inspira em muitos cidadãos.
7 - A justiça. Apesar de tudo (e muito cabe neste tudo),
confio nela e na generalidade dos seus agentes e que, embora tardando, acaba
por se fazer.
8 - A política. Não nutro qualquer confusão entre aquilo que
é o legado dos governos chefiados por Sócrates e as suspeições que impendem
sobre o ex-primeiro ministro. A política de educação, o complemento solidário
para idosos, o apoio à Ciência e à investigação, o casamento gay, etc., e aquilo
que representam para a comunidade não saem diminuídas por esta situação. Nem
podem ser por ela contaminada. Não vejo por isso qualquer embaraço em assumir com
orgulho estes (ou outros) legados políticos sem entrar em qualquer conflito (ético,
político ou outro).
9 - Isto não se confunde com qualquer "rouba mas faz",
ideia mobilizadora de campanhas amoralizadoras, como a de Isaltino em Oeiras. De
forma clara: qualquer pessoa que seja considerada culpada de crimes daquela
natureza fica inabilitada para exercer um mandato público. E talvez dissesse
acusada se não fosse ver a aparente facilidade com que às vezes uma pessoa pode
cair nas malhas acusatórias da justiça.
10 - O regime. Sobre isto, esbulho sem pudor as palavras de
Ricardo Paes Mamede em texto no Ladrões de Bicicletas. E defender e melhorar este regime
democrático, o melhor da nossa história e o que mais progresso trouxe aos seus
cidadãos, é uma tarefa que devia convocar-nos a todos.
PS: uma pessoa é bem
intencionada e quer o melhor para a comunidade mas vê os termos em que a associação Transparência e Integridade (TIAC) anuncia
a sua participação no Prós e Contras de ontem, "em nome de um país limpo",
e apetece ser corrupto.
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