28.5.14

Aprender a participar

Os desafios que enfrentamos nos próximos tempos são propícios ao surgimento  de messias. O que é trágico, na medida em que não há messias que salve isto. Como, aliás, costuma acontecer quando há problemas. Vai ser preciso muita perseverança, temperança, determinança. E a colaboração de muitos para que algo mude (era, por isso, espetacular que qualquer nova liderança partidária não começasse por ostracizar, precisamente, os que lhe são mais próximos). A colaboração de muitos e, já agora, dos cidadãos.

Acho (quer dizer, achamos todos) mais do que preocupante o nível de alheamento que estes mostram relativamente às instituições políticas. São chamados a votar de quando em vez e, depois, participam, quando muito, na amostra de uma sondagem. Participar noutras instâncias da vida da comunidade também (ou sobretudo) nos educa para a complexidade dos problemas - e respetivas escolhas - com que se defrontam os poderes políticos.

Penso que um contributo valioso que os partidos - e muitos do que têm palco para promover a pedagogia política - podiam dar era informar, apelar e promover a participação política dos cidadãos para além do voto.

A participação em partidos políticos, em sindicatos, em associações de defesa do património, do consumidor ou da mariquita azul. A escrever uma petição à Assembleia da República, a iniciar uma proposta legislativa com um grupo de eleitores. A propor um referendo. A apresentar uma queixa ao Provedor de Justiça, a exigir o direito à informação à Administração Pública, a recorrer à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos se for o caso (custa muito menos do que se pensa). A ir a manifestações. A escrever a um político ou a um órgão de comunicação social. Etc.

Existem muitas formas de participação na vida pública. Umas obrigam-nos a lidar com a angústia das escolhas, outras ensinam-nos o valor da representação, outras pedem apenas que organizemos as nossas ideias, outras ainda exigem respostas e explicações das instituições.

Campanhas a apelar à participação entre eleições faz tanto sentido como os apelos para os cidadãos irem às urnas a que já nos habituámos, contribuindo positivamente para a vida democrática do país. A apelar e a ensinar como se faz, que isto de saber participar não nasce com as pessoas, tal como a matemática ou a língua portuguesa.


Cidadãos que participam serão também menos suscetíveis aos populismos que por aí medram. Parecendo que não, diria que isto tem muito a ver com a crise que vivemos.

27.5.14

Apelo moderado à radicalização dos moderados

Os ponderados tenderão a não se entregar ao pessimismo, confiando viver numa europa de cidadãos e governantes democratas, que saberão, com inevitável naturalidade, reencontrar o caminho da esperança e da prosperidade (não apenas económica, claro está). Recomendarão, pois, democrática calma face aos apelos cada vez mais audíveis para a necessidade de se fazer algo. Antes que seja tarde. Sob pena de.  Os apelantes, denunciadores dos perigos, passarão por loucos ou, no mínimo, por incorrerem em incauto alarmismo. Tendo para a moderação desde que me conheço. Mesmo em mais jovem -  que, segundo alguns, é o tempo dos radicalismos - estive sempre agrilhoado à moderação. Dois dramas. O primeiro é que um moderado dificilmente percebe quando chega o momento que exige formas mais enérgicas de ação política (o drama chamberlainesco). Não falo evidentemente de qualquer espécie violência. Falo de ruturas necessárias (com consensos internos - com os grandes empresários e os meios financeiros - ou semi-externos - a começar pelo tratado orçamental da UE) para procurar outros consensos. O segundo drama é que, assim sendo, um moderado de pouco servirá em momentos em que o perigo passe de um alerta amarelo para vermelho, dando obrigatoriamente espaço a quem represente e reivindique estas angústias. Só concebo a política governativa por via da moderação, pelo que me parece urgente a radicalização dos nossos moderados.

22.5.14

Isto é genial, penso eu de que


O último livro do Roth é de génio. O último livro do Roth não é o último. É de 1988 mas só agora foi traduzido na língua que me dá menos trabalho ler. É uma autobiografia. Escrita quando tinha 55 anos (mais ou menos). O livro lê-se com agrado por mais de 2/3 das páginas. E depois acontece o resto. Não sei se é assim tão raro dizer que algo é brilhante mas, se porventura o faço, não é com este sentido. Isto, sim, é brilhante (como acontece a Roth ser com mais frequência do que aos restantes mortais). Apenas a lamentar a quantidade de "de ques" que afloram com irritante regularidade, por vezes aos pares por página. Logo à noite, até penso fazer uma daquelas fotos com muita pinta de uma das melhores páginas do livro, com o meu polegar bem visível ao centro. Brinco, não penso fazer nada disso.