23.10.15

A minha primeira petição...

Desagrado pelas declarações de Cavaco Silva, votando ao ostracismo governativo os partidos da esquerda com base em argumentos anti-democráticos e violadores do mandato constitucional do PR


Para: Exmo. Senhor Presidente da República

A declaração de 22 de outubro de 2015 do Presidente da República, Cavaco Silva, teve dois momentos distintos. Um primeiro, no qual entendeu indigitar Passos Coelho para formar governo, decisão incontroversa do ponto de vista da sua legimitidade, bem como do seu respeito pela Constituição. Um segundo momento, no qual teceu considerações inaceitáveis sobre a possibilidade de um entendimento à esquerda com vista a suportar um eventual governo. É apenas esta última parte que motiva a presente petição.

Nesta, foram dirigidas críticas violentas ao PCP e ao BE e ao seu ideário, circunstância que, no entender de Cavaco Silva, impossibilita que estas forças políticas (hoje com significativa representação parlamentar) negoceiem o seu apoio a eventuais soluções de governo. Deste modo, não se limitou a um juízo sobre um eventual acordo para programa de governo contrariar determinados aspetos considerados por Cavaco Silva estruturantes do nosso regime democrático. Foi muito mais longe. Considerou que qualquer partido que discorde destes pressupostos (NATO, Tratado de Lisboa, Tratado Orçamental, etc.) está impedido, à partida, de participar num governo ou até de negociar o seu apoio a uma solução de governo, mesmo que liderada por um partido que defenda todas ou algumas destas bandeiras, como é o caso do PS. Ou seja, votou à ostracização democrática a representação de milhões de cidadãos ao nível de uma solução de governo.

Esta situação é tanto mais grave quanto a indigitação de Pedro Passos Coelho para primeiro-ministro está, neste momento, longe de garantir que o governo da coligação passe no Parlamento, não estando afastada a possibilidade de a esquerda se reapresentar como alternativa de governo. De acordo com os pressupostos definidos por Cavaco Silva, é legítimo presumir que este não dará posse a um governo com estas características.

Por todas estas razões, consideramos esta declaração do Presidente da República, Cavaco Silva, intolerável do ponto de vista democrático e desrespeitadora da função que a Constituição reserva ao Presidente da República. Mesmo sendo um ator político, o Presidente da República tem funções no sistema político português que só podem ser desempenhadas com um esforço de equidistância e respeito institucional pelos partidos representados na Assembleia da República, o que, claramente, não aconteceu neste caso.

O sistema político português não permite formas de responsabilização política (com consequências jurídicas) do Presidente e, muito menos, a sua destituição, o que é coerente com o modelo semi-presidencialista que temos. Nem mesmo em situações em que o Presidente atua fora dos limites da Constituição, como acreditamos ter sido o caso.

No entanto, esta circunstância não inibe o direito de protesto por parte dos cidadãos. De todos aqueles que, tendo ou não votado nos partidos visados pela declaração de Cavaco Silva, sendo ou não de esquerda, tendo ou não ajudado a eleger Cavaco Silva para Presidente da República, consideram que este agrediu de forma gravosa os limites do seu mandato.

Numa democracia representativa, a voz dos cidadãos faz-se ouvir por diversas formas, nomeadamente pelos partidos que os representam. Mas o primeiro reduto de liberdade do cidadão livre é poder confrontar diretamente o poder político com os seus atos. Não é por isso de estranhar que o direito de petição tenha sido o primeiro direito de participação política reconhecido generalizadamente aos cidadãos, antes mesmo de haver democracias.

Assim, vimos por este meio manifestar o nosso veemente protesto pelas declarações do Presidente da República do passado dia 22 de outubro, nomeadamente quanto às considerações feitas sobre um eventual entendimento de governo à esquerda, por assentarem em fundamentos pouco democráticos e violadores do mandato constitucional do Presidente da República. Deste modo, solicitamos que o Presidente da República, Cavaco Silva, se retrate, garantindo que as regras de formação de governo se pautam pelo respeito das regras da democracia e da Constituição. 
http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT78825