29.11.09

Divagação contraditória

Procurar contradições nos outros - um dos passatempos preferidos da blogosfera (e da minha pessoa também) - não deixa de ser um exercício algo fútil. Porque, em maior ou menor grau, somos todos contraditórios. E, de um modo geral, ainda bem. Poucas coisas são tão assustadoras como ver alguém que, em nome da coerência, não sabe ser contraditório. Pois a coerência é muitas vezes o espartilho que impede que nos adaptemos a circunstâncias que, sendo na aparência formal idênticas, exigem (por vezes devido a microscópicas nuances difíceis de identificar mas que se intuem) que adoptemos uma posição diferente. Vivam, portanto, nós e as nossas contradições.

Dito isto, não quer dizer que apontar as contradições alheias não tenha graça. Claro que tem. E muita, por vezes. Outras, apenas assim-assim. Como a que eu estava a pensar explanar aqui mas que, em boa hora, verifiquei que nem graça assim-assim tem. E pronto. Fim de post.

26.11.09

Pedregulhos


Por princípio, um governo deve estar disposto a ouvir as forças partidárias representadas no Parlamento. Isto é, a meu ver, desejável numa conjuntura de maioria absoluta; uma necessidade numa situação de maioria relativa. Do diálogo espera-se que surja o compromisso, que emergirá sempre da cedência de pelo menos uma das partes (ou, idealmente, de ambas).

O Governo tem dado nesta legislatura provas de que está disponível para este diálogo. O que tenho dificuldade em compreender é a reacção da oposição a esta abertura. Veja-se o caso do deputado do PSD Agostinho Branquinho, que vê na negociação e no compromisso um sinal de “que o executivo “está confuso”, “vai a reboque” dos acontecimentos e das iniciativas da oposição. Ou de Francisco Louçã, líder do Bloco de Esquerda, para quem “o Governo andou a correr atrás do prejuízo: recuou nos professores, recuou nas taxas moderadoras”.

Esta vontade de transformar a disponibilidade do governo para o diálogo numa derrota política deste é, em si mesmo, um paradoxo, pois a negociação e a concessão estão no código genético da democracia parlamentar. E aproveitar qualquer pretexto para achincalhar este processo, lançando-lhe o anátema, é apenas um mau serviço à democracia que se presta. Mas vai daí e esta até talvez seja uma pedrinha pequenina no sapato da democracia, por onde têm andado uns gigantescos pedregulhos.

25.11.09

Presunções

Fernando Rosas acaba de declarar na AR que, relativamente às medidas de coacção aplicadas a José Penedos, o BE não se imiscui nas matérias judiciais. Para logo de seguida acrescentar (cito de memória): "mas quero saber se a justiça consegue resistir a esta suspeição: que, em Portugal, quem tem poder, quem tem dinheiro, nunca vai parar à cadeia". Para quem não se quer imiscuir em matérias judiciais, não está mal.

Natureza Humana

Há umas poucas semanas atrás, fui a uma reunião de pais na escola da minha filha. Na primeira meia hora, abordaram-se assuntos normais da rotina escolar. Ninguém tossia. Quando se entrou no tema da incontornável gripe A, não se passou um minuto sem que alguém tossisse, ao ponto de vários pais se entreolharem a pensar se a salvação era possível no meio daquele ambiente. Mudou-se de tema. Regressou o silêncio. Nem sequer um pigarro.

À atenção de todos os que querem acabar com a corrupção... a partir de amanhã

O Provedor adverte agora para a possibilidade de haver sobreposição de competências entre a comissão parlamentar [proposta agora pelo PSD] e o Conselho [de Prevenção da Corrupção], e diz que é necessário esperar que surjam resultados."As medidas de prevenção de corrupção não são tiro e queda, levam o seu tempo", argumenta, exemplificando: "A criação de códigos de conduta, que é uma coisa que até vem de uma recomendação internacional e foi adoptada por vários países, leva o seu tempo a produzir frutos, não é imediata".

24.11.09

Lícito, ilícito, lícito, ilícito, ai...uma aspirina por favor


Na sua crónica do Expresso, Daniel Oliveira volta a defender as medidas que constituem o chamado pacote corrupção do BE. Uma nota relativamente a cada uma delas:

“Primeira: levantamento do sigilo bancário. Não deixa de ser extraordinário que sejam os mesmos que tão facilmente aceitam a banalização de escutas telefónicas a mostrar tanto amor ao segredo das contas. Talvez porque o dinheiro nos diga muito mais sobre quem realmente manda neste país.”. Concordo. No further questions.

“Segunda: acabar com a distinção absurda entre corrupção para acto lícito e para acto ilícito. Tudo o que resulta da compra de favores ao Estado é ilícito.”. Fico com a sensação que Daniel Oliveira incorre aqui num equívoco. A nossa lei já considera ilícita a corrupção para acto lícito. É, aliás, crime (art. 373.º do Código Penal). O que a lei faz é distinguir o crime de corrupção para acto lícito do crime de corrupção para acto ilícito. O que justifica a distinção é que, sendo ambos censuráveis social e penalmente, o segundo (corrupção para acto ilícito) causa um dano objectivo para a comunidade muito superior, porquanto o acto praticado (ou a sua omissão) é, em si mesmo, ilícito. Já no crime de corrupção para acto lícito, os comportamentos dos agentes (activo e passivo) são ilícitos e, por isso, objecto de uma sanção penal. No entanto, o acto que é praticado (ou omitido) não agride, objectivamente, a comunidade (e, assim, não colide com os direitos de terceiros). E parece-me que isto deve ser tido em conta na moldura penal para estes crimes, que devem ser diferentes. E isto acontece em muitos crimes. Por exemplo: um homem que dispara sobre outro, que morre, não deve ter a mesma pena daquele que dispara sobre outro homem, que fica apenas ferido. Outra história é se a moldura penal do crime para acto lícito deveria ser agravada, o que admito (sobretudo para a corrupção activa, com pena de prisão até 6 meses ou multa até 60 dias).

“Terceira: criminalização do enriquecimento ilícito. A indignação com a possibilidade da inversão do ónus da prova é sonsa. Não é o que acontece quando somos obrigados a explicar ao fisco de onde vêm os nossos rendimentos? “. Como já se disse muitas vezes, o que se passa é que se não se conseguir explicar ao fisco de onde vêm os nossos rendimentos não vamos parar à prisão. É esta a grande diferença.

“Quarta: mudança das formas de financiamento das autarquias, que são um autêntico convite à corrupção e à promiscuidade.”. A Lei das Finanças Locais aprovada na última legislatura introduziu uma alteração significativa no financiamento municipal. Se um município apresentar um aumento das suas receitas fiscais próprias, como as que resultam do IMI, nesse caso diminui a transferência que lhe é devida em sede de Orçamento do Estado. Ou seja, com este mecanismo desincentivam-se os municípios a procurarem receitas por via da construção imobiliária, pois esse aumento tem como consequência uma diminuição das verbas públicas. Pode não ser perfeito, mas foi um passo importante para diminuir a dependência dos municípios do sector imobiliário.

20.11.09

É simples

«[...] A oposição acusa Sócrates de não dar explicações ao país sobre o que alegadamente disse na escuta a Armando Vara. Não percebe, ou percebe demasiado bem, que a mais leve explicação abriria um precedente perigoso. Dali em diante, o primeiro boato com uma aparência de plausibilidade forçaria o primeiro-ministro a justificar, como culpado presuntivo, cada movimento e cada palavra, que directa ou indirectamente transpirasse para a televisão ou para a imprensa. O Governo acabaria por se transformar, como de resto já se transformou, numa feira contínua e num escândalo gratuito. [...]»

Vasco Pulido Valente, Público de hoje.

via Da Literatura

Conselhos


Estou longe de ser especialista nestas matérias relacionadas com a gripe A e, confesso, limito a informação que procuro ao mínimo. Mas parece-me um pouco estranho que a Direcção-Geral de Saúde nos aconselhe a apenas lavar as mãos quando estejam visivelmente sujas. Ir à casa de banho, por hipótese, enquadra-se em que categoria?
nota: cartaz completo aqui.

Corromper a lógica das coisas


Pacheco Pereira parece querer, desesperadamente, liderar o combate contra a corrupção e ser uma espécie de João Cravinho do PSD. É legítimo. E o combate justo. Há, todavia, melhores e piores formas de o fazer. É este um dos dramas deste debate, como foi evidente na discussão em torno do chamado pacote Cravinho. É que rapidamente se torna num lugar onde a crítica às soluções concretas apresentadas se confundem com críticas ao combate em si. Voltando a Pacheco Pereira, que, de acordo com o Público, propôs ontem na reunião do seu grupo parlamentar a criação na AR de uma comissão eventual de acompanhamento da corrupção na administração pública. Esta proposta levanta um problema complicado para o Parlamento. Por não ser o órgão adequado para esta missão (excepto em sede legislativa), pois não dispõe dos poderes e dos meios que possam garantir um efectivo acompanhamento deste fenómeno. Como consequência ter-se-ia o Parlamento ficar associado ao sempre insuficiente combate à corrupção (cuja responsabilidade deve ser, em última análise, assacada ao poder executivo), terreno em que a demagogia e o populismo se espraiam em toda a sua exuberância. Foi por esta razão que o Conselho de Prevenção da Corrupção ficou a funcionar no Tribunal de Contas e não, como inicialmente previsto no pacote Cravinho, na Assembleia da República. Os argumentos são os mesmos. Felizmente, a bancada do PSD parece sabê-lo, visto que a proposta de Pacheco Pereira não obteve qualquer acolhimento.

Negociações

O debate sobre o pacote de educação que ontem decorreu no Parlamento foi muito instrutivo. Não me refiro tanto à questão da avaliação dos professores mas à concepção que alguns partidos revelaram acerca do seu papel no quadro de um governo minoritário. Assim, ficámos a saber que, para parte da oposição (nomeadamente para o BE e o PCP), negociar significa ceder, não de parte a parte mas apenas do Governo e do partido que o apoia. Quando se levanta a possibilidade de um partido ter corrigido, concedido, actualizada a sua posição em determinados pontos, com vista a uma convergência com a outra parte, logo se eriçam para lançar o labéu do “acordo de bastidores”, cozinhado “às escondidas”. Eu julgava que este cozinhado é que caracterizava a democracia parlamentar.

18.11.09

Just for the fun

Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82 de 3 de Setembro, e alterado pela Lei n.º 6/84, de 11 de Maio, pelo Decreto-Lei n.º 101-A/88 de 26 de Março, pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, pela Lei n.º 90/97, de 30 de Julho, pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, pela Lei n.º 7/2000, de 27 de Maio, pela Lei n.º 77/2001 de 13de Julho, pela Lei n.º 97/2001, de 25 de Agosto, pela Lei n.º 98/2001, de 25 de Agosto, pela Lei n.º 99/2001, de 25 de Agosto, pela Lei n.º 100/2001, de 25 de Agosto, pela Lei n.º 108/2001, de 28 de Novembro, pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, pela Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto, pela Lei n.º 100/2003, de 15 de Novembro, pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, pela Lei n.º 11/2004 de 27 de Março, pela Lei n.º 31/2004, de 22 de Julho, pela Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, pela Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril, pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, e pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro.

Ai, ai, que vou fazer uma comparação com os senhores maus


Bem sei que isto de comparar aspectos do nosso regime com o que se passava nalgumas ditaduras não colhe, mas que se dane. Ainda no outro dia se comemorou o aniversário da queda do Muro de Berlim. A propósito da sua experiência pessoal, Garton Ash descreveu, em "O Ficheiro", o sinistro mundo dos arquivos da STASI. Para além da manipulação de amigos e familiares em benefício do Estado, um dos aspectos que transtorna na actuação daquela polícia é a devassa (tantas vezes gratuita) da vida privada. A cor da roupa. O que comeu ao pequeno-almoço. Com quem dormiu… Imaginemos por um segundo o que é ler, ver, parte da nossa vida, descrita ao mais ínfimo pormenor pelos olhos de um terceiro, escarrapachada numa folha de papel A4 com o nosso nome. Garton Ash sentiu-o na pele ao reler o seu dossier nos arquivos da STASI. Mas eu já vi algo de parecido acontecer no nosso regime. Conversas entre um Presidente e a mulher e o que esta encomendou para o jantar. Conversas entre dirigentes de um partido (um deles, por acaso, o seu líder), onde aparecia o inevitável calão, que é o privilégio da intimidade. A comparação é abusiva? Certamente. Mas tento também não esquecer (ou, pelo menos, disso estou convencido) que as democracias partilham, com os piores regimes, fragmentos do que os caracteriza. Porque a natureza humana tem destas coisas. A tentação para o espiolhamento, por exemplo. Com pelo menos uma agravante. Em democracia, os “arquivos” não ficam numa qualquer cave escura. Vão direitinhos para as páginas dos jornais.

16.11.09

John Adams precisam-se


A HBO tem uma série magnífica sobre o segundo Presidente americano, John Adams. Disso fui lembrado hoje à hora de almoço. As primeiras cenas da série dão-nos a conhecer o carácter do homem, advogado de profissão. Na sequência do massacre de Boston, no qual oficiais britânicos parecem ter assassinado a sangue frio vários manifestantes. O ambiente na cidade é de indignação perante a denunciada barbaridade das forças colonizadoras. Os oficiais envolvidos são levados a julgamento. No entanto, não encontram ninguém disposto a assumir a sua defesa em tribunal. Acabam por pedir a Adams que os represente, invocando a sua imagem de apego à justiça e ao direito, nomeadamente quanto ao facto de ninguém dever ser condenado sem um julgamento justo. Apesar de horrorizado com o massacre (a que assistiu, em parte) e de ser simpatizante da causa dos rebeldes, John Adams aceitou defender os oficiais britânicos. Ainda que consciente do risco de aparecer conotado junto dos seus concidadãos como defensor do colonizador, Adams escolheu a defesa dos valores que lhe eram mais caros: o estado de direito e a justiça.

12.11.09

Tribunal Constitucional

Tenho a seguinte tese. Ainda que a polémica tenha evidentes vantagens do ponto de vista do debate público e do esclarecimento para os actores políticos e público em geral, parece-me que podia ser muito útil se o Tribunal Constitucional pudesse, em determinados ocasiões, ser chamado a pronunciar-se, preventivamente, sobre determinadas iniciativas legislativas. A título meramente consultivo. No caso em concreto da tipificação do crime de enriquecimento ilícito, estou convencido que daria um contributo clarificador para esta discussão, que balança entre os argumentos das partes e o puro ruído.

Muitos portugueses não acreditam que os preços estão a cair

... pode ler-se aqui. Instada a comentar a notícia, Manuela Ferreira Leite terá dito: "Não interessa se os preços estão a cair ou não. Interessa é que os portugueses não acreditam que estejam".

Da natureza humana

Circulo de carro pela cidade em hora de ponta, embora com trânsito tolerável. De repente, um semáforo cria uma pequena bicha para quem deseja virar à direita, deixando, no entanto, desimpedida a faixa da esquerda – destinada aos que pretendiam seguir em frente. Ao abrandar perante a fila, penso em ultrapassar este obstáculo pela desabitada faixa da esquerda, tentando regressar à minha faixa mais perto do semáforo. Hesito por um segundo. Desisto. “Isto não se faz”, assevero, ainda envergonhado pela ocorrência de tal ideia. No mesmo instante, dois carros guinam à esquerda, ultrapassam a bicha e voltam a penetrar com sucesso mesmo em cima da almejada curva. “Inacreditável”, declaro, furioso. “Que falta de civismo”, continuo, indignado. “Esta gente…”.

Angústias da democracia

Constato com angústia o que me parece ser uma inevitabilidade da vida democrática moderna. Há momentos em que um partido, sobretudo quando apoia o governo, se confronta com o seguinte dilema: manter-se irredutível na defesa de princípios que considera não admitirem qualquer transigência. Ou ceder face ao que vai passando como a opinião do grande público, demagogicamente instigada e cavalgada por alguma oposição, mas que, por isso mesmo, tem efeitos negativos na imagem e na credibilidade do governo e do partido que o apoia. Qual o caminho que se espera que um governo responsável adopte?

11.11.09

"Andando", de Hirokazu Koreeda


Aos poucos a minha vida recupera alguns fragmentos de normalidade. Anteanteontem fui ao cinema (ena, ena, viva, a vida é bela) ver um magnífico filme. Sobre uma família. Sobre a família. Pais e filhos, expectativas de uns e de outros; em relação a si e aos outros. Frustração, decepção, ressentimento, arrependimento e saudade (enfim, todo o catálogo de sentimentos que uma família arrasta). Saudade que dói, que já não faz lágrimas e nos torna apenas cruéis para com os outros. Apenas não. É crueldade que somos levados a compreender, ou até mesmo a desculpar. Crueldade que também parece uma forma de terapia, para viver o resto do ano sem o filho que se perdeu. Perda de um filho que, para Chico Buarque, é a própria definição de saudade: “A saudade é o revés de um parto. A saudade é arrumar o quarto. Do filho que já morreu”. No final - pode parecer estranho - pareceu-me que o filme era, no essencial, sobre o amor. Embrulhado em amor. Amor coxo, por vezes mal-agradecido, por vezes injusto, mas amor. Que surge nas pequenas coisas e nos pequenos gestos. Blá, blá, blá. Amor que faz bem e mal ao mesmo tempo. Que enternece mas que também cria as sementes da dor (como o avô, figura distante, que tenta convencer o neto a tornar-se médico, como fez com um dos filhos, que, no entanto, carrega, em adulto, o peso da frustração ou da culpa por ter desiludido os pais). Blá, blá, blá. Já ontem tinha desistido de escrever esta xaxada. Achei que hoje iria estar mais inspirado. Enganei-me. Bem, era só para dizer que fui ao cinema.

Coisas que tenho o direito de saber de alguém que se candidata a governar o país

Entram ilegalmente pela casa adentro de uma figura pública (um político, para facilitar). Sem mandado judicial, por exemplo. E que descobrem sei lá o quê que pode configurar uma situação de crime. Apesar de obtida ilegalmente, essa informação passa para os jornais. Considera a Dr.ª Ferreira Leite que a pessoa que foi alvo de buscas ilegais tem o dever de prestar esclarecimentos públicos sobre o assunto? É que, aos meus olhos, isto sim é a suspensão da democracia. Não por seis meses. Apenas suspensão. Sem ironias.

Eu não quero dizer que MFL não respeita a democracia


... mas quem diz isto ("As dúvidas não se resolvem destruindo provas") não pode respeitar a democracia. Quem não respeita a lei; quem não respeita o processo; não pode respeitar e compreender a verdadeira natureza do estado democrático.

ps: dúvidas e pedidos de aconselhamento sobre democracia e a sua verdadeira natureza para o mail supra infra ali ao lado.

Para que é que precisamos de deputados se temos o forum da TSF?

Manuela Ferreira Leite declara, no Parlamento, que os deputados devem trazer para a Assembleia da República a voz da opinião pública.

Eu não quero dizer que Ferreira Leite está a utilizar rasteiramente o populismo mediático mas...

Na SICN, um penalista defende que o Código do Processo Penal apenas impõe autorização prévia do presidente do STJ às escutas que visem o Presidente da República (PR), primeiro-ministro (PM) ou presidente da Assembleia da República (PAR). Já se estas escutas forem direccionadas a terceiros mas que, incidentalmente, apanhem conversas com aqueles representantes de órgãos de soberania aí já vale. Ou seja, se houver uma determinada suspeita ou indício específico de conduta penalmente relevante quanto ao PM, PR ou PAR, é necessária a autorização. Se nem sequer existir essa suspeita ou indício, então não há problema. Ou seja outra vez, nesta hipótese dispensa-se não apenas a exigência da autorização do presidente do STJ como também a existência de um qualquer indício prévio que justifique a escuta. Fica, desta forma, entreaberta a porta a que se escute o PR, PM ou PAR, sem qualquer controlo prévio acrescido, bastando-se para tanto encontrar a pessoa certa das suas relações com quem mantenha um contacto regular. E convém sublinhar que a maior exigência para as escutas aos representantes destes órgãos de soberania visa proteger não as pessoas que ocupam transitoriamente aqueles cargos mas todos nós e a segurança do Estado e da governação.

ps (com adenda): na tribuna parlamentar - onde está neste preciso momento -, Manuela Ferreira Leite continua a cavalgar a mais pura demagogia justicialista. "Não nos devemos imiscuir nos assuntos da justiça mas...". Outro momento alto de MFL aqui.

9.11.09

Não é nada contra o Porto ou o brilho, a cor e a muita animação

Mas suspeito que anda para aí alguém a ver se me trama (not that there's anything wrong with that):

Mas este Porto Pride foi mais: treze actuações de transformismo divididas em dois blocos animaram presentes que disfrutaram do trabalho destes artistas que, voluntariamente, levam a este evento brilho e cor, e muita animação. No primeiro bloco tivemos Elsa Martinelli, Nani Petrova (Boys'R'Us), Roberta Kinsky (Boys'R'Us), Lady Slim (Boys'R'Us), Tiago Tib (Miss Porto Pride 2009), Natasha Semmynova e Diana Prince.

STASI



Um relato fundamental sobre o funcionamento de um dos instrumentos que tornavam o lado de lá do muro num lugar mais justo, mais igual, menos perigoso e mais democrático.

O instinto político de JAS

O Muro de Berlim tinha caído. Não havia voos disponíveis para Berlim. Mas José António Saraiva, à data director do Expresso, considerava* que a queda do muro não era notícia de primeira página...

* via a Pluma Caprichosa, de Clara Ferreira Alves, do último sábado.

5.11.09

Ocorreu-me...

Astérix, Obélix, Bagão Félix.

Programa do Governo e mistificações

O líder parlamentar do BE, que está neste momento a fazer a sua primeira intervenção no plenário, acaba de dizer (ou de repetir, pois não é o primeiro a fazê-lo) que o Programa do Governo nada diz acerca do combate à corrupção, a não ser uma singela referência ao "combate à existência dos paraísos fiscais". É curto, reclama o líder do bloco. Concordo. Só que não é verdade. Poupo no verbo. É ver a página 108 e 109 do programa. Ou procurar o ponto 2 do Capítulo VII, com o título (um pouco equívoco, talvez) de... "combate à corrupção". Disponível aqui. Roger, over and out.

4.11.09

Negociar consigo próprio

O mais insólito na reacção dos partidos da oposição ao facto de o governo ter transformado o seu programa eleitoral em programa do governo é o facto de, na ausência de uma negociação entre as diversas partes (e nem interessa aqui saber de quem é a responsabilidade), ser suposto que o PS fosse, sozinho, escolher quais as propostas da oposição a incorporar no seu programa. O resultado seria, imagino, qualquer coisa como isto (os mais impacientes podem ir directo ao min. 0:45):

Pescadinha de boca no rabo


Consideram os estudiosos que um dos poderes que acentua a vertente parlamentar de um sistema de governo é a possibilidade de os executivos responderem perante a câmara parlamentar e, consequentemente, poderem cair por falta de confiança desta.

Numa situação de maioria relativa o parlamento ganha importância. A esta importância não será de todo estranha a possibilidade de poder usar a sua bomba atómica e fazer cair o Governo. Sucede que a queda antecipada de um governo é quase sempre interpretada como um factor de indesejável instabilidade política. Factor de instabilidade que é suprível atribuindo, nas eleições seguintes, uma maioria parlamentar mais sólida (absoluta, no limite) a um dos partidos com vocação de governo. Maioria (maxime, se absoluta) que, por sua vez, relega o Parlamento para um papel mais secundário. Conclusão deste aranzel: o uso da arma mais forte ao dispor de um Parlamento pode, paradoxalmente, conduzir à sua desvalorização no acto eleitoral seguinte. Contradições do parlamentarismo.