30.1.12

Reparações de guerra

É comum atribuir-se às pesadas condições que o Tratado de Versalhes submeteu a Alemanha uma das principais causas para a ascenção de Hitler e do nazismo. Pela humilhação e por ter criado condições para a hiperinflação dos anos 20. Keynes foi um dos porta-vozes desta visão, tendo-se oposto com firmeza às severas reparações de guerra que considerava estarem a ser impostas aos derrotados da I Guerra, nomeadamente à Alemanha. Há quem julgue, porém, que se devia ter ido mais longe, considerando que a Alemanha manteve, apesar de tudo, a sua capacidade tecnológica, industrial e educativa quase intacta, permitindo que se tornasse, em poucos anos, novamente na potência económica hegemónica da região (Europa Central, de Leste e Balcãs). Pergunto-me o que estes últimos historiadores pensariam ao ver as severas "reparações de guerra" agora impostas à Grécia e Portugal. Suprema ironia ou apenas o desejo que a Alemanha fosse pelo menos tão magnânime com os vencidos da guerra das dívidas soberanas quanto os vencedores da I Guerra foram consigo?

28.1.12

Se não acreditam em mim, oiçam este senhor, vocalista de uma respeitável banda de pós-punk rock, o que quer que isso seja

"He [Georges Brassens] is both a national outcast and hero in France, yet most of us don't know him on this side of the Channel. His lyrics were more subversive than Dylan or the Sex Pistols and he wrote better tunes than either."

Alex Kapranos, dos Franz Ferdinand.

27.1.12

Ainda sobre o escrutínio

Há muita gente que pega no incumprimento de promessas para denunciar a podridão do sistema (da democracia). Discordo. É naturalmente legítimo que se aspire a um governo que cumpra o máximo de compromissos eleitorais. Não é isso que está em causa. Mas muito mais preocupante seria não haver escrutínio sobre o que se está a fazer (o que ainda acontece em muitas áreas, por ignorância, opacidade ou puro desinteresse). Através deste controlo, os políticos são chamados a justificar as suas opções, até porque pode haver boas razões para o desvio das promessas. O controlo e o debate sobre o cumprimento dos compromissos eleitorais é uma das formas como a democracia se realiza. A democracia não se esgota no cumprimento cego desses compromissos.

Escrutinar as promessas eleitorais

Ontem, o candidato socialista à presidência francesa veio dizer, a propósito dos seus 60 compromissos eleitorais: "Não prometo aquilo que não sou capaz de cumprir. Tudo o que está dito será feito".

Não digo que não seja inspirador mas a crise de confiança que separa, crescentemente, eleitores dos seus eleitos, se calhar exigia um pouco mais do que as palavras do costume. Proporia algo do género, a ser entregue aos eleitores, que assim o poderiam usar para melhor escrutínio:


26.1.12

Desculpa

Parece que é mas não é

...assim tão difícil compreender o buraco negro em que nos estamos a afundar:

Finalmente, somos a Grécia

"A escassa informação até agora disponibilizada permite concluir que, em 2011, a despesa do Estado terá ficado 1.713 milhões de euros abaixo do orçamentado, um valor duplo do gerado pelo imposto extraordinário sobre o subsídio de Natal.

Caso para nos congratularmos? Bem pelo contrário. A consequência imediata deste sonho húmido de "ir para além da troika" foi uma brusca contração económica que resultou na rápida redução dos impostos cobrados no final do ano. Resultado (previsto por qualquer pessoa racional): não só não se reduziu o défice público como se precipitou o país numa nova recessão que, por sua vez, voltará a fazer baixar as receitas fiscais. o que justificará mais austeridade, e assim sucessivamente."

João Pinto e Castro, ...bl-g- -x-st-

Será mesmo assim?

"Petição sobre salários e prémios de gestores públicos sem consequências no Parlamento".

Bem, a petição deu entrada no Parlamento, que a disponibiliza no seu site.

Esta foi distribuída a um deputado.

O Parlamento solicitou ao Governo uma posição sobre a matéria.

O Governo respondeu.

Os peticionários foram ouvidos pela comissão parlamentar competente na matéria, a Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública.

O deputado relator elaborou um relatório, onde se ponderam os vários contributos sobre a pretensão dos peticionários (antes já havia sido aprovado um relatório intercalar).

O relatório foi apresentado, discutido e votado pela comissão.

A petição dos peticionários foi debatida no plenário parlamentar, momento mais solene dos trabalhos da Assembleia da República.

A petição foi objeto de cobertura noticiosa como a que nos diz que a petição não teve quaisquer consequências.

Teve-a, mas não aquela que intuitivamente relacionamos com este instrumento de participação política: o acolhimento da pretensão da petição.

O Parlamento foi chamado a exercer a sua função fiscalizadora. Obrigou o Governo a justificar-se e a trazer informação para o processo. Esta informação é disponibilizada a todos os cidadãos no site, aumentando a transparência da atividade política e permitindo que também seja exercida uma função de pedagogia política.

A democracia participativa também se realiza através destas formas menos definitivas.

23.1.12

Quem disse que não gostava de música nova?



Com um merci beaucoup ao Vicente

Sobre a mistificação das oportunidades da austeridade

"O Público tem um trabalho sobre como a crise nos obriga a “mudar de vida”. No fundo, a crise é vista como uma oportunidade para redescobrir os valores e as “coisas simples” ou lá o que é – “vamos” deixar de ter empregadas domésticas ou de ir de férias para o estrangeiro, de ser “consumistas” e tudo, “em 2012, vamos conhecer o vizinho, cuidar da horta e integrar uma associação”.

Não há mesmo pachorra para este romance da austeridade. Apontemos noutras direcções: vamos entrar em conflito com o vizinho, já que as disputas aumentam por falta de dinheiro nos condomínios, vamos ter de regressar à pluriactividade feita de todas as auto-explorações, vamos deixar de pagar quotas nas associações, vamos ter o tempo mais espartilhado e a vida mais condicionada pela subordinação crescente a patrões medíocres e pelos cada vez mais baixos salários, vamos entrar em insolvência, com o endividamento e o desemprego a aumentarem o stress e as depressões, o ensimesmamento e o rompimento dos laços sociais. Que tal assim?

Em 2012, a austeridade não é uma oportunidade para nada, mas sim um imenso desperdício de capacidades individuais e colectivas, um imenso golpe no processo da vida."


Excertos do texto que João Rodrigues escreve, muito pertinentemente, a desmontar a candura da reportagem do Público de ontem sobre as oportunidades da austeridade. Nos Ladrões de Bicicletas, claro.

O que Hollande quer para a França

Este post há-de ter link (no can do now) mas não deixa de ser um sinal de qualquer coisa que uma parte do que Hollande quer para a França de amanhã já tenha sido concretizado em Portugal nos últimos anos, como a paridade, o casamento gay ou a limitação de mandatos eletivos.

Mas também houve PR´s a fazer o contrário, a escudarem-se no veto político com fundamentos jurídicos, furtando-se ao escrutínio esclarecedor do TC




“Em Portugal, a determinada altura, os Presidentes deixaram de utilizar o veto político e, em vez disso, passaram a utilizar o mecanismo de fiscalização da constitucionalidade. Porque isso desdramatiza, do ponto de vista político, a decisão do Presidente relativamente à maioria política.”


Miguel Poiares Maduro, em entrevista ao Público de hoje

Excelente entrevista de Poiares Maduro ao público 3

"E essa leitura não deve ter limites?"

"Tem de ter limites sempre. Uma norma jurídica não pode permitir todo o tipo de interpretações, tem que ter sempre limites. Muitas vezes, o que acontece é que esses limites não estão definidos ex ante . Resultam do processo de interacção entre essa norma jurídica e a realidade económica e social. Nem tudo é permitido na interpretação constitucional, tal como nem tudo está previamente definido."

Excelente entrevista de Poiares Maduro ao público 2

"O exemplo que dá é uma evolução do sentido de alargar a protecção conferida pelo Direito. Neste momento, está a acontecer o inverso".

"Sim, mas a maior parte das questões de Direito Constitucional não são questões de soma zero em que o Direito protege mais ou protege menos. Muitas das questões constitucionais trata-se de conflitos entre direitos, em que ambos os direitos ou valores em causa estão reflectidos na constituição. É óbvio que uma situação económica conjuntural como a que estamos a viver pode exigir uma certa adaptação das normas constitucionais que limita o seu alcance garantístico nalguma matéria. Mas isso é feito porque há outros valores que estão reflectidos na Constituição e que têm, por exemplo, a ver com a sustentabilidade do Estado, que têm que ser garantidos. Se não tivermos um estado sustentável em termos financeiros, outros valores constitucionais que devem ser protegidos podem ser colocados em causa."

"Essa adaptação é sempre um produto da interacção desses valores constitucionais interpretados à luz do contexto actual."

Excelente entrevista de Poiares Maduro ao público

"O que isto [polémica em torno do corte dos salários e subsídios de férias e de Natal dos funcionários do Estado] nos ensina é que nem todas as questões que têm dimensão constitucional - e esta é uma questão com dimensão constitucional porque há uma questão de igualdade entre os cidadãos que está em causa - podem ser decididas pelo TC. Nem todo o discurso com relevância constitucional deve ser um discurso relativo à justiça constitucional. Acho que a questão ainda é sobretudo política."

20.1.12

Rezasse a história a dos fracos (sensu latu, muitu latu) e Cavaco teria um lugar insigne nela

Cavaco diz que as reformas dele não chegarão para pagar despesas

Tudo somado, o que irei receber do Fundo de Pensões do Banco de Portugal e da Caixa Geral de Aposentações quase de certeza que não vai chegar para pagar as minhas despesas porque como sabe eu também não recebo vencimento como Presidente da República”, disse Cavaco.

Para ser franco, se a esquerda chegasse agora ao poder e Graça Moura estivesse no CCB, haveria de querer que fosse substituído pelo Mega Ferreira



Fazer oposição é duro mas, em democracia, não há inquestionáveis. Não pode haver. É contra a sua essência

"Por mais respeito que Graça Moura possa merecer em todas as áreas a que se dedica, diz Canavilhas, não há como negar que Mega fez dois mandatos excelentes: “Não há absolutamente nada a apontar a Mega Ferreira, nem ao nível programático e artístico, nem ao nível da gestão. Foi exemplar.”

18.1.12

Stiglitz aplaude o acordo de concertação social. Tudo bem. Mas contaram-lhe tudo?

"E [Stiglitz] deixou um alerta: cortar salários - uma solução que chegou a ser posta em cima da mesa em Portugal - não é solução, porque deprimiria ainda mais a procura, afundando a economia. "Seria contraproducente", disse o Nobel de 2001."

Uma solução que chegou a ser posta em cima da mesa? Já não me vão tirar dois salários este ano e eu sem dar por nada?

Fogachos introspetivos da hora do almoço

1- O difícil papel de um sindicato que não se limite a rejeitar, a ser porta-voz do descontentamento, optando por tentar influenciar e deixar uma marca no enquadramento das relações laborais que vigorará nos próximos anos. Equilíbrio difícil, este. E esforço não isento de conduzir ao pecado contrário, como poderá ter acontecido com o apoio da UGT a este acordo da concertação social.

2 - A princesa da Bela e do Monstro é a única que tem alguma coisa na cabeça. As outras são umas tolas. Com a possível exceção da Jasmine.

Está tanto frio, tanto frio, que nunca estive tão perto de não lavar as mãos depois de ir à casa de banho

16.1.12

Posts sobre o Público de hoje: o nosso Chico

Miguel Esteves Cardoso deslinda um dos mistérios que me acompanha desde o início da idade adulta: como é que pessoas de direita podem gostar, como eu gosto, de Chico Buarque. MEC explica: Chico escreve sobre a humanidade e "não gostar de Chico é como não gostar de ninguém".

Posts sobre o Público de hoje: ainda sobre o caso Ferreira Leite e as declarações sobre hemodiálise

está certíssimo o provedor do jornal "Público", na edição de hoje. No que se refere à peça que saiu na edição online do Público, privilegiou-se o sensacionalismo em detrimento do rigor informativo, pois fez-se manchete de umas declarações confusas que a própria, a isso instada, viria a esclarecer momentos depois. Eu, que sobre este assunto apenas li manchetes nos dias seguintes, fui induzido em erro.

No entanto, o que o provedor não aborda (nem é suposto), é como é que é possível que uma carreira feita de gaffes sistemáticas, equívocos reiterados, numa profusão de mensagens confusas, coexista com uma carreira política de elevado perfil (ministra, líder do maior partido da oposição, putativa salvadora da pátria). Com relativa impunidade, detendo hoje ainda hoje palco nos órgãos de comunicação (ah, a ironia...) social .

Tony Judt, num dos textos do seu "chalet da memória", alarga-se a explicar sobre porque é que quem não sabe expressar-se ou comunicar com clareza, ou não tem nada para dizer ou tem intenções ocultas. Acho um exagero aplicado ao comum dos mortais (para minha defesa, aliás, sem quaisquer pedras para atirar). Mas de aplicação imperativa aos que competem pela gestão da res publica.

5.1.12

Liberdade, taxação, representação

Não acompanhando muito do que se tem escrito acerca do caso Jerónimo Martins, sempre gostaria de dizer o seguinte. Dá-me bastante satisfação pagar os meus impostos. Cá. Não gosto, portanto, de ler, como tenho lido, que aquilo que o sr. Soares dos Santos fez é aquilo que cada um de nós faria se tivesse oportunidade para tal. Não é. Gosto de pensar que, pela via fiscal, contribuo com a minha parte para que Portugal se torne um país melhor e mais justo. Será uma parte insignificante no bolo mas é a minha parte. Os EUA nasceram sob o lema de “no taxation without representation”, em português rimado: não há taxação sem representação. O inverso também é válido. Se nos furtarmos à taxação, fragilizamos os laços que nos ligam aos representantes e às escolhas da comunidade, quebrando o contrato social, por incumprimento de deveres. É também por isso que se torna particularmente chocante que esta espécie de elisão fiscal venha de quem tem tido intervenção pública e política, contribuindo para moldar as escolhas que nos afetam a todos nós. Sim, passei a escrever de acordo com o novo acordo ortográfico. É deveras estimulante.

Gillao

Pelas saudades que deixas. Mesmo com a distância que nos separava.

Pelo que me ensinaste sobre a amizade. Muito especialmente a que te unia ao meu pai.

Pelo que aprendi contigo sobre música, como não estarmos reféns das modas (não sei se não terei levado demasiado à letra este ensinamento. Naaahhh…).

Recordarei, sempre com um sorriso, as palavras que me repetiste muitas vezes (com o teu sotaque parisiense; voz quente e rouca) quando era adolescente: "Red Hot Chilly Peppers Merde".

2.1.12

Não é só em matéria de austeridade que andamos a fazer merda

Impiden a un indignado subir a bordo de un avión por llevar carteles anarquistas.*

A fazer lembrar um episódio recente das empresas que boicotaram o apoio dos seus clientes à wilikileaks (organização pela qual não nutro particular simpatia), atitude que mereceu o aplauso de muitos (mesmo dos melhores de entre nós).

* via Porfírio Silva, que, sobre isto e sobre o resto, deve ser lido.