12.12.24

Meia idade


Desfeita de vez a ideia negacionista de que passaria despercebido entre estudantes universitários de vinte e poucos anos, embateu, em choque frontal, com a realidade. Não houve propriamente uma crise existencial a anunciar a novidade, embora, no plano terreno, as recorrentes lesões desportivas fossem um excelente indicador do que aí vinha. Foi ao comprar sapatos (o seu eu interior ainda estranha não dizer ténis, mas é um adulto, já se conformou). Ficam bem, não ficam bem. Era o único critério que conhecia. Mas eis que se dá conta, ainda que subliminarmente, estar a namorar design de conforto, amortecimento na passada, a antecipar o prazer da suave caminhada. E percebeu que era uma questão de tempo até assumir todas as consequências desta nova fase, e adotar no seu léxico a expressão e tema caros à sua avó: "calçado confortável". Entrara oficialmente na meia idade.

31.7.24

Motorista de veículos pesados e, logo a seguir, copidesque, era o que me faria feliz. Para amançar eventuais angústias profissionais.

 


Posso dizer com toda a tranquilidade que a pessoa que mais lágrimas me fez chorar até hoje foi este senhor de bigode.

 


Para quem, como eu, tenha uma enorme preguiça em cultivar-se. Em geral e, em particular, sobre a Revolução Francesa, aconselho:

- Os múltiplos episódios do podcast The Rest is History sobre o assunto. 

É superlativo. Incomparável. Talvez o melhor de sempre.



Expectativas

Finalmente, acomodo-me para começar a ler Lucia Berlin e o seu manual para mulheres de limpeza. A expectativa é grande. Mas calma. Da badana à contracapa, da introdução ao prefácio, ressoam promessas de que jamais lemos algo assim. A sua escrita é superlativa. Incomparável. Talvez a melhor de sempre.  Naturalmente, comecei logo a embirrar e pronto para não gostar. Porém, é maravilhoso.  



12.7.24

Não é "Ardidas", nem "Rebrock". É um post à Paulo Austero.

Gosto muito do filme "Fumo". É um filme sobre histórias. Várias. Uma delas, ocupa pouco mais de dois minutos. Não, não é a de como se consegue saber o peso do fumo, contada pelo Harvey Keitel. Essa também é boa. Nem as divagações do Jim Jarmuch sobre tudo e mais alguma coisa, antes de ser interrompido pelo vendedor de timexes e rolexes. Nem tenho a certeza de que as divagações de Jarmuch sejam sucedidas pela entrada (ah, isto passa-se numa tabacaria) do vendedor de timexes e rolexes. Ou que esta cena do Jarmuch não se passe apenas na sequela do "Fumo", o "Fumo azul". Mas isso importa pouco (aquilo até estava previsto ser um único filme). Estava a dizer. Sobre histórias. Uma delas, é contada pelo William Hurt. É sobre um jovem pai que vai passear para a montanha e é engolido por uma avalanche. Muitos anos depois, o filho está a caminhar pela montanha e dá de caras com uma versão de si mesmo quando era mais novo. Era o corpo do pai, que se preservara impecavelmente num bloco de gelo. Lembrei-me desta história ontem ao ver fotografias do final dos anos 90. Numa delas, lá estou eu, de t-shirt. E de calções. Os mesmos calções que vestia nesse preciso instante. Mais de um quarto de século depois. The end.

Se quiserem ver isto em bom de escritor e maravilhosamente interpretado pelo William Hurt de roupão, está aqui:

10.7.24

Do politicamente incorreto

 Fosso salarial entre homens e mulheres aumenta pela primeira vez em dez anos

Humano vs máquina

 Uma das áreas em que podemos tranquilamente constatar que o humano continua a dar cartas às máquinas é no corretor ortográfico. 

(auto)Crítica

Procuro, por vaidosa curiosidade, um post antigo neste blog. Pesquiso a primeira palavra que me ocorre poder conter: "crítica". Com alguma surpresa, vejo este aparelho devolver-me umas poucas dezenas de resultados. Leio-os. Incho. Sou um proselitista da liberdade de espírito. Desincho. Sou monotemático e a precisar de novo vocabulário. Mas isso era dantes, convenço-me. Ups. A partir de....agora!

4.7.24

A vida não teria a mesma graça sem a mal-afamada contradição

Há livros e filmes que nos marcam profundamente. E há outros que não deixam memória. Há, porém, um tertium genus (entre outros genus, claro). De que é raro falar-se. Cujo interesse não deve ser menosprezado. Até porque tem graça. São as obras que marcam profundamente e que não deixam memória. Das quais pouco ou nada nos lembramos. Um dos livros que mais me marcou na adolescência foi "O Jogo das contas de vidro". Que livro! Adorei-o. Mas já não me lembro porquê.  


2.7.24

Discriminação negativa

The obesity pay gap is worse than previously thought

It affects men as well as women, and is wider for the well-educated


Ou seja, mulheres e homens gordos ganham muito menos do que os magros. Isto devia incomodar-nos. Dir-se-á que termos acesso a conhecimento que permita identificar desigualdades é básico e fundamental. Para tomarmos consciência e, querendo, agir. Um problema que julgo notar é que, em vez de incomodar, o alerta, ou a mera informação, sobre vários tipos de discriminação e de desigualdades parece estar hoje a gerar algum cansaço, mesmo em pessoas decentes. Que degenera, frequentemente, em indisfarçada irritação. Chegando mesmo a abalar anteriores consensos sobre discriminações várias. Isto é trágico. Mas parece ser o ar destes tempos. Por muito que custe - e muito custa -, talvez tenhamos de (re)pensar algumas coisas sobre isto. 

"Anatemização": a confiar no google, é possível que tenha sido a primeira pessoa do mundo a alguma vez usar esta expressão. Incrível! Não imagino melhor forma de homenagear Camões neste seu quinto centenário.

Contra anatemização dos octogenários

 Belo texto de Álvaro de Vasconcelos no Público de hoje: 

A nossa França ameaçada: que nem um voto lhe falte

30.6.24

Por falar em bonecos...

...estou há uma horas a sentir o abalo deste extraordinário livro sobre a separação de famílias aquando da divisão das coreias. Um livro sobre isso mas que não se resume a isso. Fala sobre este período histórico, mas para nos falar também sobre a força e a exigência do amor filial; sobre a condição da mulher; sobre solidariedade. Tudo com enorme sensibilidade e humanismo. E, embora discreto, muito humor. De Keum Suk Gendry-Kim e belissimamente traduzido por Yun Jung Im. Ahah, pareceu-me engraçada a minha incompetência para este último apontamento. Mas apenas porque sou tolo. Não será preciso gostar de kimchi para apreciar a palavra nesta obra, e a sua feliz combinação com cada traço (e diria que onde as palavras são mais raras, como quando há bonecos, a importância da palavra certa cresce).