20.10.09

Os (maus) polícias de si mesmos


Por regra, os jornalistas não sabem dar notícias em que os próprios estejam envolvidos. Por "os próprios" entendo desde os proprietários do jornal (sendo o caso) até aos seus jornalistas. E, por consequência, o próprio jornal. Tenho, assim, esta profunda convicção. Que o programa Prós e Contras da semana passada se encarregou de confirmar. Falta de distanciamento e de capacidade de auto-crítica, facciosismo e depreciação dos argumentos da outra parte. A propósito do arquivamento (pelo juiz de instrução criminal) do processo que José Sócrates movera contra o jornalista do DN João Miguel Tavares, o mesmo DN tem, hoje, esta peça exemplar(mente lamentável):

«Depois de ter perdido à primeira, com o arquivamento pelo Ministério Público, José Sócrates voltou a carregar sobre João Miguel Tavares, colunista do DN. Mas não teve sorte. Um juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa (TIC) considerou que o artigo "José Sócrates, o Cristo da política portuguesa", apesar de ser uma crítica negativa, traduziu uma "manifestação legítima de uma opinião". (...) Ora, José Sócrates queixou-se. Dizendo que o texto era "calunioso e ofensivo" e punha em causa a sua "integridade moral" (...) Para quem tenha dúvidas sobre o que é o debate no espaço público, o juiz de instrução criminal explica no acórdão: (...) Conclusão, "Sócrates, o Cristo da política portuguesa" é um texto que "se encontra plenamente inserido no exercício da liberdade de expressão". »

5 comentários:

A.R. disse...

Inteiramente de acordo.

PC disse...

Caro TT
No pun intended, mas onde é que vê a lamentabilidade do artigo?

(de um leitor recente reencaminhado pela câmara corporativa, mas com a sensação que poderia encontrar aqui um ideário menos engajado, apesar de prezar o idêntico bom gosto musicólico)

PC

Tiago Tibúrcio disse...

Caro PC,

É a linguagem e o tom adoptados. A linguagem quase coloquial, e o tom, que não disfarça o contentamento pelo arquivamento e a esolha de um dos lados da notícia. Júbilo tal que levou a jornalista a considerar que a decisão do juiz coloca um ponto final sobre as dúvidas que alguém possa ter sobre o que seja o debate no espaço público. Uma espécie de revelação divina. Podia dar um bom post ou uma forma de o João Miguel Tavares resumir aos amigos, entre duas lecas, a decisão do juiz, mas está longe de ser um bom texto jornalístico. É isso que lamento.

Quanto ao bom gosto musical só posso concordar, com o bom gosto de ambos. Benvindo.

PC disse...

Já estou desactualizado, mas só mesmo ao fim da noite é que consigo fazer uma pequena volta bloguistica.
Quanto à posição sobre o artigo, discordo.
A relevância da notícia para o dn era grande, uma vez que está em causa o conflito entre o PM e um dos seus principais redactores e a peça aparece no meio do jornal, num fim de página e sem chamadas anteriores. E tirando o "voltou a carregar", não impera grande subjectividade na coisa, que se limita a transcrever as partes mais sumarentas do despacho. E apesar de tudo não é uma mera notícia factual, mas um artigo assinado e é até natural que transpire algum júbilo quanto ao despronunciamento do colega.
Como nota final, parece-me que em tudo o que diz respeito ao nosso PM é preciso escolher um dos lados da barricada e não há zonas cinzentas, ou se acredita sem mais em tudo o que é notícia que o atinja, ou se rejeita liminarmente, sem que haja uma opinião desapaixonada e imparcial sobre o que vai aparecendo. É, infelizmente, um dos traços que ele vai deixando na nossa vida política.
Ao correr da pena, lembrei-me agora de um filme visto há uns dias, o il divo, sobre o Andreotti, em que ele diz que nunca apresentou queixas por difamação contra jornalistas e adversários, que o apelidaram de tudo e mais alguma coisa (não comparável com o que se diz do nosso PM) por uma razão muito simples: tem sentido de humor.
Olha-se para o nosso PM e para o Andreotti e podia pensar-se que ao segundo é que faltaria sentido de humor. Mas não é.
Cumps
PC

Tiago Tibúrcio disse...

Continuo a achar que o facto de o jornalista ser do DN não justifica que se utilizem regras diferentes das utilizadas nas outras notícias. E foi precisamente por aí que comecei, que os jornalistas não sabem dar notícias em que sejam parte, ou objecto, da notícia.
Também não concordo que estejamos condenados a escolher um dos lados da barricada. Valendo o que vale, recorro ao meu exemplo. Na minha opinião, o texto de JMT não atenta contra o bom nome de sócrates. Mas o visado não era eu mas ´Sócrates. Se ele acha que o seu bom nome foi afectado, acho bem que recorra à justiça. Como alguém já escreveu (creio que o Sr. Valupi, no Aspirina B), é colocar a decisão desta causa nas mãos da Justiça. Pior seria que a coisa ficasse ao nível do rumor, de que o PM teria ficado danado com o artigo de JMT e que iria fazer algo. Assim, fica tudo claro. E julho que muitos concordarão que colocar processos a jornalistas é, do ponto de vista político, arriscado, para não dizer contraproducente, pelos críticos, e inimigos, que concerteza ganha. conclusão: discordo da apreciação que fez do caso (mas também não tinha de concordar) mas acho democrático e são que tenha submetido a questão aos tribunais. E isto vai também ao ponto em que fala do filme sobre o Andreotti. Compreendo a sua atitude face aos difamadores. Até posso concordar (não sei). E até pode ter mais sentido de humor do que José Sócrates. Mas acho ofensivo que se considere que alguém - incluindo a pessoa do PM - que recorre aos tribunais está a abusar e a condicionar ilegitimamente os outros, sobretudo se estivermos a falar de um poder como o da comunicação social. Um abraço.