18.11.09

Ai, ai, que vou fazer uma comparação com os senhores maus


Bem sei que isto de comparar aspectos do nosso regime com o que se passava nalgumas ditaduras não colhe, mas que se dane. Ainda no outro dia se comemorou o aniversário da queda do Muro de Berlim. A propósito da sua experiência pessoal, Garton Ash descreveu, em "O Ficheiro", o sinistro mundo dos arquivos da STASI. Para além da manipulação de amigos e familiares em benefício do Estado, um dos aspectos que transtorna na actuação daquela polícia é a devassa (tantas vezes gratuita) da vida privada. A cor da roupa. O que comeu ao pequeno-almoço. Com quem dormiu… Imaginemos por um segundo o que é ler, ver, parte da nossa vida, descrita ao mais ínfimo pormenor pelos olhos de um terceiro, escarrapachada numa folha de papel A4 com o nosso nome. Garton Ash sentiu-o na pele ao reler o seu dossier nos arquivos da STASI. Mas eu já vi algo de parecido acontecer no nosso regime. Conversas entre um Presidente e a mulher e o que esta encomendou para o jantar. Conversas entre dirigentes de um partido (um deles, por acaso, o seu líder), onde aparecia o inevitável calão, que é o privilégio da intimidade. A comparação é abusiva? Certamente. Mas tento também não esquecer (ou, pelo menos, disso estou convencido) que as democracias partilham, com os piores regimes, fragmentos do que os caracteriza. Porque a natureza humana tem destas coisas. A tentação para o espiolhamento, por exemplo. Com pelo menos uma agravante. Em democracia, os “arquivos” não ficam numa qualquer cave escura. Vão direitinhos para as páginas dos jornais.

1 comentário:

Mark Kirkby disse...

Muito bem. E com direito a link no Camara Corporativa. Estás o blogger à séria.