23.1.12

Sobre a mistificação das oportunidades da austeridade

"O Público tem um trabalho sobre como a crise nos obriga a “mudar de vida”. No fundo, a crise é vista como uma oportunidade para redescobrir os valores e as “coisas simples” ou lá o que é – “vamos” deixar de ter empregadas domésticas ou de ir de férias para o estrangeiro, de ser “consumistas” e tudo, “em 2012, vamos conhecer o vizinho, cuidar da horta e integrar uma associação”.

Não há mesmo pachorra para este romance da austeridade. Apontemos noutras direcções: vamos entrar em conflito com o vizinho, já que as disputas aumentam por falta de dinheiro nos condomínios, vamos ter de regressar à pluriactividade feita de todas as auto-explorações, vamos deixar de pagar quotas nas associações, vamos ter o tempo mais espartilhado e a vida mais condicionada pela subordinação crescente a patrões medíocres e pelos cada vez mais baixos salários, vamos entrar em insolvência, com o endividamento e o desemprego a aumentarem o stress e as depressões, o ensimesmamento e o rompimento dos laços sociais. Que tal assim?

Em 2012, a austeridade não é uma oportunidade para nada, mas sim um imenso desperdício de capacidades individuais e colectivas, um imenso golpe no processo da vida."


Excertos do texto que João Rodrigues escreve, muito pertinentemente, a desmontar a candura da reportagem do Público de ontem sobre as oportunidades da austeridade. Nos Ladrões de Bicicletas, claro.

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