25.11.14

Sócrates. Tentar arrumar as ideias (não é fácil, porém). Decálogo.

1 - Não sei se José Sócrates cometeu os crimes de que é suspeito, indiciado, acusado no espaço público. Se os cometeu, é muito grave, tanto mais se o fez enquanto estava em funções. É mais ou menos tudo quanto tenho a dizer. Bem...

2 - Se José Sócrates não cometeu os crimes de que é suspeito, indiciado, acusado no espaço público é ainda mais grave. Por ser sempre mais grave um inocente passar por isto do que um culpado ficar impune, como muitos já lembraram. E porque, nestes últimos anos, se foi avolumando, inclusivamente no seio do poder judiciário, um sentimento justicialista anti-política que legitima dúvidas sobre a possibilidade de contaminação de um processo desta natureza.

3 - Sinceramente, não tenho uma opinião muito sustentada quanto à eventual desproporção da  detenção e condições do posterior interrogatório. Não sei se foram ou não. Nem posso sabê-lo.

4 - Já sei, embora seja tudo menos um fenómeno novo, que é cada vez mais alarmante o impacto pernicioso na justiça que decorre da promiscuidade entre alguns jornalistas e a órgãos judiciários. E assim deverá continuar, atendendo a que, mesmo os que genuinamente a isto se opõem, pouco oferecem além de impotência e um túnel no fundo do túnel.

5 - Quanto à prisão preventiva, confesso igual incapacidade para aferir da justeza da medida, embora me falte imaginação para ver preenchidos os pressupostos que, nos bancos da faculdade, dizem poder determinar esta medida de coação. E a ausência de qualquer justificação pública desta medida por parte do juíz de instrução criminal obscurece, inquieta, em vez de iluminar.

6 - Porque é fundamental que a justiça ilumine. Porque a justiça deve uma obediência cega ao princípio da presunção de inocência, tanto quanto é humanamente possível. Mas este postulado acaba na prática às portas do edifício da justiça. Cá fora, ele de pouco vale. Para o bem e para o mal. As convicções das pessoas formam-se libertas de quaisquer códigos. Razão pela qual compreendo mal que o jornalismo seja frequentemente absolvido neste papel a que se presta em nome do direito à informação. Como todos os outros direitos, este não é absoluto, e a sua realização pode, muitas vezes, colidir com outros de igual ou superior valor. Voltando ao travessão que encima este ponto, daí a importância que a justiça ilimine, sempre que o possa fazer, pois isso também concorre contra a presunção da culpabilidade que uma medida de coação desta natureza inspira em muitos cidadãos.

7 - A justiça. Apesar de tudo (e muito cabe neste tudo), confio nela e na generalidade dos seus agentes e que, embora tardando, acaba por se fazer.

8 - A política. Não nutro qualquer confusão entre aquilo que é o legado dos governos chefiados por Sócrates e as suspeições que impendem sobre o ex-primeiro ministro. A política de educação, o complemento solidário para idosos, o apoio à Ciência e à investigação, o casamento gay, etc., e aquilo que representam para a comunidade não saem diminuídas por esta situação. Nem podem ser por ela contaminada. Não vejo por isso qualquer embaraço em assumir com orgulho estes (ou outros) legados políticos sem entrar em qualquer conflito (ético, político ou outro).

9 - Isto não se confunde com qualquer "rouba mas faz", ideia mobilizadora de campanhas amoralizadoras, como a de Isaltino em Oeiras. De forma clara: qualquer pessoa que seja considerada culpada de crimes daquela natureza fica inabilitada para exercer um mandato público. E talvez dissesse acusada se não fosse ver a aparente facilidade com que às vezes uma pessoa pode cair nas malhas acusatórias da justiça.

10 - O regime. Sobre isto, esbulho sem pudor as palavras de Ricardo Paes Mamede em texto no Ladrões de Bicicletas. E defender e melhorar este regime democrático, o melhor da nossa história e o que mais progresso trouxe aos seus cidadãos, é uma tarefa que devia convocar-nos a todos.

PS: uma pessoa é bem intencionada e quer o melhor para a comunidade mas vê os termos em que a associação Transparência e Integridade (TIAC) anuncia a sua participação no Prós e Contras de ontem, "em nome de um país limpo", e apetece ser corrupto. 

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